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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

'Rebel Moon - Parte 1' é uma colcha de retalhos vazia e sem personalidade


Depois de debutar nos cinemas com a refilmagem de Madrugada dos Mortos, o cineasta Zack Snyder viu sua carreira despontar o sucesso de 300. Contando com um senso estético característico e uma paixão por histórias em quadrinhos, não demorou até que fosse contratado pela Warner para encabeçar algum projeto da DC Comics, rival da até então, veja só, moribunda Marvel. Watchmen foi sua prova de fogo e, embora não tenha conquistado números expressivos nas bilheterias, o consolidou como um realizador que combinava talento e estilo. O problema é que esse apuro estético, antes sofisticado, tornou-se uma muleta de Snyder para mascarar obras narrativamente problemáticas. Não por acaso, seus acertos vieram de adaptações (300, Watchmen, O Homem de Aço, A Lenda dos Guardiões) e não de histórias originais. E por mais que seus fãs defendam Sucker Punch - Mundo Surreal e o recente Army of The Dead, a verdade é que Zack Snyder se sai muito melhor com imagens do que com palavras. Pois Rebel Moon – Parte 1: A Menina do Fogo me lembrou uma reflexão que havia feito alguns anos atrás: a de que Snyder se daria muito melhor como artista plástico do que como cineasta.

Surrupiando descaradamente elementos de Star Wars, a trama que partiu de uma “ideia” de Snyder e gerou um roteiro assinado pelo próprio ao lado dos velhos colaboradores Kurt Johnstad e Shay Hatten, acompanha Kora (Sofia Boutella, de Kingsman - Serviço Secreto), uma jovem misteriosa que esconde habilidades especiais (Rey?) enquanto vive incógnita num vilarejo agrícola nos confins do universo. Mas quando o perigoso Almirante Noble (Ed Skrein, de Deadpool), a serviço de um tirano intergalático (Darth Vader?), chega tocando o terror, explorando os parcos recursos do local, ela decide finalmente tomar partido. Como? Embarcando numa viagem para recrutar párias como aliados capazes de ajudarem na defesa (Sim, Snyder também “pegou emprestado” a premissa de Sete Homens e Um Destino (1960), que por sua vez já havia sido remake do clássico Os Sete Samurais (1954), de Akira Kurosawa).

Como já deu para perceber, nada é original em Rebel Moon e a própria apresentação do vilão é semelhante até demais ao magnífico prólogo de Bastardos Inglórios (2009), faltando apenas o personagem de Corey Stoll (Homem-Formiga) oferecer um copo de seu “delicioso leite” ao lacaio cujas vestimentas, claro, dividem características com o uniforme usado pelos nazistas. Como se não bastasse a falta de originalidade de seu universo, o realizador mal consegue esconder a fragilidade de sua história, cujo vazio substancial só impressiona mais que os péssimos diálogos concebidos, ora resvalando na pieguice, ora se espatifando na exposição artificial.

Para costurar essa colcha de retalhos, Snyder orquestra uma série de sequências de ação que fragilizam ainda mais o longa, tornando a narrativa episódica. Isso não seria um problema caso o realizador demonstrasse um mínimo de criatividade nos set-pieces, mas admito que essa é uma esperança ingênua da minha parte. Pois o diretor limita-se ao mesmo excesso de câmera lenta que marcou seus projetos anteriores. Aliás, o efeito é completamente despropositado, sendo utilizado em momentos aparentemente aleatórios (era realmente necessário desacelerar a imagem de alguém levantando do chão?). Mas se em O Homem de Aço ele foi capaz de empolgar com seu destruction porn no estilo do anime Dragon Ball, em Rebel Moon ele é incapaz de injetar energia nas pasteurizações digitais protagonizadas pelos personagens. Além disso, o mesmo problema que costuma acometer os blockbusters de capa e espada dilui o impacto dos embates deste Original Netfllix, com espadas cortando corpos sem o derramamento de uma gota de sangue sequer, isso para não mencionar os estéreis tiroteios a laser.

O que impede esses supostos momentos de adrenalina mergulharem o espectador no tédio absoluto é a notória vocação de Zack Snyder como artista visual. Investindo em enquadramentos elegantes, que resultam em planos esteticamente bem-feitos como as tomadas aéreas que revelam as diferentes cidades espaciais ou determinados momentos de um tiroteio num lugar fechado, o cineasta mostra ser muito mais eficaz na concepção de imagens do que colocá-las em movimento.

Se por um lado, ele cria quadros dignos de serem emoldurados, por outro segue apegado a uma paleta de cores dessaturada que, junto de seu vício preocupante em câmera lenta, correspondem a uma assinatura visual que nem sempre funciona. Com isso, a fotografia (também assinada por Snyder) apresenta um véu acinzentado semelhante aos efeitos colaterais do 3D mal convertido tão popular na última década, fazendo com que o universo derivativo, mas pulsante, entre em conflito com a imagem sem vida. Algo que definitivamente não acontece com o material copiado, digo, “no qual se inspirou”.

De forma semelhante, a montagem mal parece ter sido comandada por Dody Dorn, a mesma por trás do soberbo Amnésia (e que lhe rendeu uma indicação ao Oscar). Diante do frágil material em mãos, a profissional californiana não consegue impedir Rebel Moon de ter uma estrutura episódica: repare como a história se desenvolve a partir dos breves encontros de Kora com seus futuros aliados, cada um protagonizando sua própria sequência de ação e, logo depois de um fade out, são rebaixados a figurantes. Essa estratégia se repete à exaustão e não apenas compromete o ritmo, como expõe o excesso de personagens, todos sem espaço suficiente para irem além de meros arquétipos unidimensionais.

Encerrando a projeção com mais um “aceno” (estou esgotando meu repertório de eufemismos) a Alita – Anjo de Combate (até Ed Skrein está em cena), Rebel Moon – Parte 1: A Menina do Fogo é um fracasso em praticamente todos os aspectos, mas tem tudo para cumprir seu papel como commodity na Indústria Cinematográfica. Afinal, se o vasto universo feito sob medida para possibilitar derivados multimídia (há, inclusive um RPG em desenvolvimento) mostrou-se insuficiente para este longa-metragem, ao menos deve ter rendido um belo contrato a Zack Snyder e potenciais frutos para a Netflix. No final das contas, ambas as partes saem ganhando, mas às custas dos espectadores.


NOTA 3


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