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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"Transformers: O Despertar das Feras" é um divertido meio-termo dentro da franquia

Atualizado: 10 de jun. de 2023



Não faço parte do grupo de detratores de Transformers. Apesar de reconhecer a irregularidade da franquia, tenho um carinho especial pelo imperfeito, mas divertido, filme de 2007, que marcou minha adolescência de diferentes formas. Numa época em que os melhores lugares da sessão ficavam com os primeiros da fila, foi sentado no chão e escorado na parede que vi o mais novo blockbuster produzido por Steven Spielberg, um de meus diretores favoritos. Transformers me apresentou ao carro dos meus sonhos (o Camaro SS Coupé utilizado como disfarce por Bumblebee) e à banda (Linkin Park) que dominou meu MP3 por vários anos. E durante os créditos percebi que já era fã do compositor Steve Jablonsky sem saber (pois assinou a trilha de The Sims, game que jogava desde a infância), cujos temas fiz questão de aprender a tocar no teclado. Também tive a oportunidade de ir com meus pais à atração que o parque da Universal Studios mantém até hoje e que considero minha favorita.

Isso tudo, no entanto, nunca me impediu de reconhecer que a franquia sofreu e muito nas mãos de Michael Bay, um cineasta tecnicamente limitado, mas que dominava a arte dos blockbusters “parque de diversões” bem antes de Martin Scorsese utilizar o termo para definir os filmes da Marvel. Mesmo com um orçamento mais robusto, porém, Bay conseguiu se perder na fraca continuação, cuja estreia escancarou suas piores características, como as piadas rasteiras e sem timing, os cortes excessivos, a objetificação das mulheres e a opção por planos que beiravam o aleatório. Antes de entrar numa sequência de dois filmes absolutamente terríveis (A Era da Extinção e O Último Cavaleiro), a franquia conseguiu um último sopro de lucidez finalizando a trilogia protagonizada por Shia LaBeouf de forma relativamente satisfatória e a bilheteria bilionária incentivou o estúdio a seguir apostando em Bay como líder criativo, mesmo após a desistência do ator. Foi com Bumblebee, de 2018, que a franquia finalmente conseguiu se reabilitar, “coincidentemente”, no primeiro filme a não contar com a direção de Michael Bay. E se este Transformers: O Despertar das Feras jamais se equipara aos filmes de 2007 e 2018, ainda os melhores, ao menos mantém o eterno conflito entre Autobots e Decepticons longe do fundo poço atingido entre 2014 e 2017.

A trama dessa vez se passa na Nova York de 1994 e é dividida em três núcleos: o primeiro é protagonizado por Noah (Anthony Ramos, que surgiu no bom Nasce Uma Estrela e brilhou no ótimo Em Um Bairro de Nova York), jovem de ascendência porto-riquenha desesperado por um emprego a fim de pagar o tratamento do irmão mais novo. Diante das dificuldades, ele acaba aceitando roubar um carro. Já o segundo acompanha Elena (Dominique Fishback, dos bons O Ódio Que Você Semeia e Power), uma aspirante a arqueóloga que trabalha como estagiária num museu e vê num misterioso artefato a chance de fazer uma descoberta capaz de alavancar sua carreira. Por fim, o terceiro núcleo coloca os grandes astros do projeto em ação, com robôs entrando numa guerra que opõem os nobres Autobots liderados por Optimus Prime e os temíveis Terrorcons, cujo líder Scourge é um mero assecla do vilão Unicron, criatura que se alimenta de mundos e busca um dispositivo capaz de abrir portais.

Quem conhece a série já deve imaginar que o tal carro roubado por Noah se revelará um Autobot, colocando-o no caminho de Optimus, que por sua vez está buscando pela chave Transwarp, escondida no objeto que está no museu onde Elena trabalha, ponto de encontro para Scourge em sua missão de agradar ao chefe Unicron. “Mas onde estão as feras presentes no título da produção?”, você deve estar se perguntando. As feras, ou Maximals são criaturas milenares que começam a projeção num imenso confronto com Scourge e seus comparsas pela posse da tal chave Transwarp, mas que acaba numa fuga dos animais mecânicos rumo à Terra, mais uma vez servindo de refúgio para os robôs espaciais.

Palavras como “Unicron”, “Energon”, “Cybertron” e “Transwarp” podem e até chegam a confundir, já que a equipe composta por nada menos que cinco roteiristas corta um dobrado para costurar uma história que deveria ser mais simples, especialmente em função de seu principal objetivo: vender bonecos. As crianças, por sua vez, não precisam se preocupar tanto, pois o script faz questão de rememorar os pontos importantes de dez em dez minutos, mastigando cada acontecimento de formas nem sempre sutis e além dos famigerados diálogos expositivos, há um didatismo exagerado que chega a irritar (quando alguém explica que a chave pode servir como uma bomba, o holograma de uma explosão toma a tela), assim como a audiodescrição também se faz presente (“barulho de água!” exclama alguém quando o som já havia deixado claro).

Os roteiristas se saem melhor ao recauchutar a estrutura de Transformers: O Lado Oculto da Lua, terceiro filme da série e que pegou carona num modelo narrativo muito popular na época, recheando-a de referências aos anos 90 com a mesma eficiência com que Bumblebee bombardeou os fãs com acenos à cultura popular da década de 80. Assim, Transformers: O Despertar das Feras jamais consegue soar original. Até os vilões são derivações: Scourge e Unicron funcionam como a dupla Surfista Prateado/Galactus da continuação de Quarteto Fantástico, por exemplo. E por mais que a produção tenha as melhores intenções ao colocar um latino como protagonista, pega mal que este também seja o primeiro herói da franquia a recorrer ao crime. Afinal, Noah faz parte de uma parcela considerável da população estadunidense que não dispõe de um plano de saúde, consequentemente precisando de uma grande quantia de dinheiro para pagar o tratamento do irmão mais novo, como se isso já não tivesse ficado claro após o diálogo artificial que anuncia a tal doença (“isso está acontecendo por causa da sua Anemia falciforme”). E o que dizer do walkie talkie com alcance ilimitado (seria um celular?), permitindo que dois personagens, em continentes diferentes, se falem sem a necessidade de apertarem um botão sequer?

Em contrapartida, Noah é vivido com carisma e energia por Anthony Ramos, provando ser uma excelente escolha para encabeçar o elenco humano da franquia a partir de agora. Em relação aos Transformers, chamam atenção algumas liberdades tomadas pela equipe de roteiristas a fim de revigorá-los. Optimus Prime, por exemplo, está longe de ser o líder admirável visto no filme de 2007, já que O Despertar das Feras se passa treze anos antes dos acontecimentos daquela produção. Por ser mais jovem, Optimus ainda é um guerreiro de personalidade nada flexível e bem mais bruto, justificando sua postura pouco simpática aos seres humanos, ainda muito longe de contarem com a confiança do Autobot. E já que falei de juventude, é curioso notar como a velocidade da transformação dos robôs é influenciada diretamente pela idade, visto que o Autobot idoso Stratosphere demora significativamente mais para deixar seu disfarce como avião de carga, ao passo que seus colegas mais jovens transitam entre formas com extrema rapidez.

Já Bumblebee, como é de se esperar, rouba a cena ao mais uma vez surgir tão carismático quanto adorável. E se antes ele se comunicava através do rádio, possibilitando piadas envolvendo músicas famosas, desta vez ele reproduz falas de clássicos do Cinema, como um frequentador assíduo de Drive-Ins, tornando-se uma máquina de frases de efeito que fazem referência a obras como Scarface, Duro de Matar, Eles Vivem, Questão de Honra (que rende o momento mais divertido do filme através do famoso “você não aguentaria a verdade!” imortalizado por Jack Nicholson), entre outras. Mas o destaque fica por conta de Mirage, estreante na franquia como o Porsche 911 Carrera roubado por Noah. Seu dublador, o comediante Pete Davidson (de Morte. Morte. Morte.), transmite irreverência e simpatia ao conferir um aspecto descolado ao robô, forte candidato a ganhar ainda mais espaço nos próximos filmes.

Enquanto os filmes anteriores eram embalados por Rock (os três primeiros) e pelo Pop (Bumblebee), O Despertar das Feras aposta no Hip Hop para acompanhar as missões de Noah com os Autobots, o que, até pela presença de perseguições e carros possantes, traça um inusitado paralelo com Velozes e Furiosos, também em cartaz nos cinemas, ao mesmo tempo que a trilha incidental, com Steve Jablonsky apenas supervisionando o trabalho do compositor Jongnic Bontemps, investe em melodias mais discretas, recorrendo aos temas consagrados da franquia apenas em momentos específicos (as faixas Arrival to Earth e Autobots fecham o clímax com chave de ouro).

Se tratando de uma franquia sobre humanos no fogo cruzado entre robôs alienígenas gigantes, é evidente que a ação desempenhará um papel proeminente. Nesse ponto, como é bom ver a série nas mãos de um diretor que entende minimamente de linguagem cinematográfica e não escolhe planos apenas pelo aspecto estilístico. O cineasta Steven Caple Jr. (de Creed II) ainda está em início de carreira e nem chega a fazer um trabalho especialmente marcante aqui, mas prova estar anos-luz a frente de Michael Bay e um mero raccord (aquele com a centelha de um robô dando lugar à lâmpada de um poste) já eleva o patamar da franquia (não que isso fosse muito difícil).

Caple Jr. é auxiliado por uma montagem que se afasta dos cortes frenéticos empregados por Bay nos cinco primeiros filmes e valoriza os momentos de respiro (algo que Bay segue desconhecendo mesmo depois de décadas na Indústria). Mais voltado para a ação do que o aventuresco Bumblebee, O Despertar das Feras resgata a câmera lenta como marca registrada da franquia, agora utilizada com parcimônia e propósito (quem não se lembra do momento em que Michael Bay parou uma batalha para mostrar Megan Fox gritando?), mas dispensa as explosões em profusão, optando pelos combates corporais.

Encerrando a projeção com a tradicional narração de Optimus Prime, mas derrapando ao permitir o mesmo a Noah, num artifício que expõe a finalidade de contar o que aconteceu com os personagens principais, Transformers – O Despertar das Feras é o capítulo menos arriscado de uma franquia já acostumada a tropeços, mas que agora parece estar caminhando para encontrar uma nova e promissora direção. Se não chega a inovar ou impressionar, ao menos faz o básico com desenvoltura e sem se levar a sério.


Obs: Há uma cena extra.


NOTA 6




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