top of page
  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"Uma Noite em Haifa" frustra com trama desconjuntada e sem rumo


Com mais de quarenta anos de carreira, o cineasta israelense Amos Gitaï já nos presenteou com algumas pérolas ao longo dos anos, como Laços Sagrados (1999), O Dia do Perdão (2000) e o subestimado Zona Livre (2005), conquistando um prestígio invejável no circuito de festivais, especialmente entre os mais proeminentes, como Veneza, Locarno e, claro, Cannes. Mas enquanto os últimos anos não têm sido muito generosos com o prolífico realizador, sua obsessão com a vida humana e seus relacionamentos permanece intacta. Uma Noite em Haifa parecia incluir tudo aquilo que se espera de uma obra com a assinatura de Gitaï: uma galeria diversificada de personagens, discordâncias que evoluem para conflitos, dilemas e comentários sociopolíticos, mas o que chega ao público é o resultado de um projeto onde há uma clara divergência entre roteiro e direção, fazendo com que a história se movimente à revelia, sem uma âncora narrativa ou sequer um fio condutor.

O mais intrigante é que o texto foi escrito por Marie-Jose Sanselme, parceira de longa data do cineasta e que mais uma vez investe numa teia de relacionamentos entre personagens que aparentemente não possuem nada em comum. Tudo acontece num espaço limitado, aproximando a produção de uma roupagem de filme de câmara enquanto se desloca por uma galeria de arte, um bar e uma espécie de danceteria, tudo na mesma edificação e com raras sequências externas. A primeira impressão é que o lugar serve como um microcosmo a ser observado pela lupa de Gitaï, diretor que já não possui a energia de outrora.

Por outro lado, poucos cineastas movimentam a câmera como o israelense, virtuoso ao passear pelo ambiente sempre extraindo detalhes interessantes, seja ao revelar as alianças usadas por um casal, ou uma conversa que acontece sorrateiramente atrás de uma pilastra. A utilização da grua pode soar excessiva e até artificial em alguns momentos, distraindo numa demonstração pedante da destreza de seu diretor, como nos momentos em que resolve seguir determinados personagens até o andar superior. A ideia de rodar tudo em longas passagens, resvalando no plano-sequência, ajuda a disfarçar o caráter puramente teatral da obra, cuja verborragia quase ininterrupta denuncia um realizador com muito a dizer. E isso se transforma num problema de larga escala quando percebemos que o filme não tem muito a oferecer além da troca incessante de ideias.

Se no primeiro ato Uma Noite em Haifa até consegue envolver o espectador com sua aura de mistério, logo fica claro que a promessa de complexidade jamais será cumprida, pois ao diretor interessa apenas o texto, com a imagem representando um mero complemento. Não há uma narrativa específica, ao menos num formato mais palatável e ficamos limitados a relacionamentos que se tornam repetitivos. Tudo piora graças à infeliz decisão de saltar entre núcleos a cada dez minutos, negando ao espectador o tempo que seria necessário para forjar algum laço com os personagens. Em contrapartida, eu estaria mentindo se dissesse que o filme pula as conversas antes destas se tornarem interessantes, pois essa é uma possibilidade nem remotamente sugerida.

Até porque tudo soa artificial. Homens e mulheres se conhecem e em menos de cinco minutos de bate-papo já estão filosofando e confessando sentimentos. E quando não estão se entregando a desabafos intermináveis, provocam-se com questões políticas claramente forçadas pelo cineasta. As relações evoluem num piscar de olhos, pulando etapas ao invés de se desenvolverem com fluidez, afinal, são muitos assuntos a serem abordados e ainda há outros personagens a entrarem em cena. Por falar nisso, a produção chega ao cúmulo de introduzir um sujeito faltando dez minutos para o fim da projeção (sim, eu chequei).

Inicialmente, o interesse do realizador por temas sociopolíticos sugere que a história trilhará caminhos mais ambiciosos, quando a relação entre Israelenses e Palestinos entram em pauta, mas Amos Gitaï logo descarta a ideia e parte para o próximo tópico, aproveitando sempre para incluir alguma reflexão pretensiosa como “ninguém se parece com o que é, exceto os religiosos” ou “nenhuma pergunta tem só uma resposta”. Se ao menos os personagens fossem cativantes, tudo poderia caminhar de forma diferente, mas além de não possuírem tempo suficiente para serem desenvolvidos, todos são meros instrumentos de um roteiro raivoso e disperso. Um casal de adúlteros (um fotógrafo e a relações públicas da galeria) é o mais perto que Uma Noite em Haifa chega de oferecer um núcleo protagonista, obrigando-o a dividir espaço com uma jovem tão revoltada que chega a ser excruciante testemunhar suas argumentações e o estereótipo do marido controlador, vivido por Makram Khoury (veterano colaborador de Amos Gitaï) como uma derivação do tipo de milionário influente que sai por aí confrontando os outros enquanto pergunta “você sabe quem eu sou?”.

Panfletário e paradoxal ao soar ao mesmo tempo arrastado (no ritmo) e apressado (na disposição de informações), Uma Noite em Haifa ainda inclui uma inacreditável sequência que busca debater sobre a misoginia e o machismo entranhados na sociedade ao atirar uma questão envolvendo estupro. Mais surpreendente que isso, só o momento em que dois homens refletem sobre o que seria melhor para uma determinada personagem. Seria fácil enxergar a produção como um monótono e desconjuntado capítulo de novela, ainda mais com a inusitada decisão de encerrar a história com um plano estático em preto e branco (quem lembra de Avenida Brasil?), o que só confirma a impressão inicial de que Amos Gitaï permanece longe dos seus melhores momentos.


NOTA 3


bottom of page
google.com, pub-9093057257140216, DIRECT, f08c47fec0942fa0