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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"Babilônia" faz ode ao Cinema com altas doses de escatologia

Atualizado: 16 de fev. de 2023


Depois de a popularidade do streaming alcançar níveis alarmantes durante a pandemia e continuar preocupando a indústria do Cinema mesmo depois de dois anos, os estúdios vez por outra investem em produções que buscam valorizar a experiência cinematográfica, seja por meio de filmes pessoais como Império da Luz e Os Fabelmans ou de espetáculos sensoriais como Top Gun: Maverick e Avatar: O Caminho da Água. Tentando se encaixar nessa proposta surge Babilônia, filme que busca nos primórdios de Hollywood uma base para sustentar o argumento de que o Cinema já sobreviveu a fases mais sombrias. E nada mais natural que Damien Chazelle, que fez de La La Land um tributo memorável aos grandes musicais, seja o encarregado dessa tarefa.

A trama escrita pelo próprio Chazelle acompanha os jovens Manny (Diego Calva) e Nelly (Margot Robbie) tentando entrar para o competitivo mundo do Cinema na Era de Ouro de Hollywood (década de 20). Enquanto ele trabalha como um faz tudo, alimentando o sonho de um dia produzir seus próprios filmes, ela se esforça ao máximo para conseguir a chance de mostrar que pode atuar, incluindo entrar de penetra em festas badaladíssimas em busca de conexões. É justamente numa dessas festas, um bacanal de proporções cinematográficas, que os dois acabam se conhecendo, quando ele, fazendo um bico como assistente do anfitrião (o executivo de um estúdio), impede a moça de ser expulsa por um segurança. Mas antes que o espectador tenha a chance de antecipar os passos desse romance em construção, o roteiro logo nos apresenta a Jack Conrad (Brad Pitt), bon-vivant que vive confortavelmente da fama de astro do cinema.

Diretor do ótimo Whiplash – Em Busca da Perfeição e do já citado La La Land – Cantando Estações, pelo qual se tornou o mais jovem vencedor do Oscar de Melhor Diretor, Damien Chazelle parece decidido a fazer de Babilônia um veículo para desconstruir sua fama de bom moço perante a indústria, ou ao menos de mostrar que pode ir além da sobriedade que marcou suas obras anteriores. Por outro lado, ele também parece confuso entre extravagar e escandalizar, pois sobram poucas alternativas que justifiquem a escatologia que o menino prodígio de Hollywood abraça sem reservas desde os primeiros minutos de projeção. Ter o traseiro de um elefante enchendo a tela não basta; é preciso também colocar o animal para defecar em direção à câmera, num plano interminável e que busca não só os detalhes sórdidos, mas também as consequências destes.

Além disso, ao ilustrar as festanças homéricas que aconteciam nos intervalos entre as filmagens, com direito a uma participação ilustre do famigerado elefante, o cineasta pesa a mão ao passar tempo demais mostrando as excentricidades dos membros da indústria (e com o objetivo de manter o decoro não detalharei tais momentos, redundantes toda vida). Para piorar, o excesso de piadas com vômitos e uma sequência envolvendo um rato me levam a questionar as intenções do diretor, que abusa da evidente carta branca que recebeu do estúdio.

Seduzido pela ideia de retratar, sem filtros, os bastidores daquela Hollywood, Chazelle gasta energia demais na reprodução do caos que reinava nas filmagens. E se isso rende passagens divertidas e curiosas, como a odisseia para gravar uma cena sem comprometer o som ou o plano longo que mostra, simultaneamente, figurantes descontrolados e diferentes longas-metragens rodados no mesmo espaço (como não havia som, não havia o risco de uma produção atrapalhar a outra), no restante do tempo ele só confirma estar tão perdido quanto o personagem de Brad Pitt. Nesse ponto, quem sofre é o próprio filme diante da impossibilidade de manter uma coesão narrativa durante seus inchados 189 minutos de projeção.

Se poucos elementos escapam incólumes a esse caos narrativo perpetrado por Chazelle e seus rompantes alucinógenos, um deles é a trilha do prodigioso Justin Hurwitz: o compositor de 38 anos, cuja amizade deveria ser mantida por Chazelle como seu bem imaterial mais valioso, confirma a versatilidade esboçada em O Primeiro Homem ao conceber um jazz dançante que se adapta a cada mudança brusca de tom, servindo como a conexão que o diretor/roteirista tão miseravelmente fracassou em propiciar aos seus plots. Mesmo que aqui e ali lembre demais La La Land, ápice da carreira da dupla, as faixas ora dominadas por trompetes, ora inteiramente tocadas ao piano, sublinham a bagunça sem se entregarem a ela e apelam ao lado lúdico da história sem exagerar na melancolia, num dos grandes trabalhos de 2022.

A montagem, contaminada pela esquizofrenia estrutural imposta por Chazelle, tenta amenizar, mas sem sucesso, as bruscas mudanças de tom que ocorrem, já que além da anarquia, o diretor também resolve apostar no humor, com resultados nem sempre satisfatórios. Peguemos como exemplo a sequência envolvendo uma cascavel: o desenvolvimento da história é paralisado para acompanharmos um embate absolutamente descartável que começa tenso, descamba para o nonsense (incluindo um personagem pulando no colo do outro no melhor estilo Scooby-Doo) e termina com um beijo completamente arbitrário. Pior que isso, só mesmo a constatação de que o realizador não faz ideia do que significa alívio cômico, utilizando gags que ao invés de oferecerem um momento de respiro após uma carga dramática, simplesmente quebram o clima e diluem o impacto do que acabamos de testemunhar.

Uma pena, pois a carta de amor que Chazelle pretendia escrever ao Cinema, pinçando alguns marcos históricos do período da transição entre o Cinema Mudo para o Falado, é soterrada por subtramas que acabam perdendo seus personagens de vista, principalmente o trompetista vivido pelo talentoso Jovan Adepo (Operação Overlord), protagonista de um momento-chave (aquele em que é obrigado a escurecer sua pele para não destoar de outros músicos da orquestra que integra) cujo resultado é sabotado pela falta de um desenvolvimento prévio, já que não tivemos tempo suficiente para construirmos um laço com o seu personagem. Aliás, há outras sequências que poderiam ser facilmente descartadas sem prejudicar o andamento da trama e, a julgar pela conclusão da história de Jack Conrad, sua subtrama certamente é uma delas.

Em contrapartida, o design de produção de Florencia Martin e Anthony Carlino (ambos de Licorice Pizza) merece elogios não só por preencher com vivacidade os gigantescos cenários, mas também pela atenção aos detalhes: repare como, na sequência em que a câmera passeia por um set até chegar ao personagem de Brad Pitt no interior de uma tenda, alguns objetos de cena surgem supostamente deslocados no canto da tela, apenas para ganharem importância posteriormente ao serem utilizados de formas surpreendentes. Indo pelo mesmo caminho, os figurinos de Mary Zophres (indicada ao Oscar por La La Land) complementam a personalidade da Nelly de Margot Robbie, refletindo as diferentes fases de sua vida. Conhecida pela utilização de cores fortes, Zophres opta em Babilônia por dar uma atenção especial aos tons pasteis, especialmente nas filmagens desérticas, quando cenário e personagens se confundem na imagem e adicionam um bem-vindo simbolismo.

Perdendo quatro vezes a oportunidade de encerrar bem sua história (sinta-se livre para contar os potenciais finais), Damien Chazelle desperdiça pouco mais de três horas tentando combinar a intenção de provar que também pode ser grosseiro, com a ideia de fazer um manifesto a favor do Cinema, transformando Babilônia no primeiro tropeço de sua ainda curta filmografia.


NOTA 5


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