Festival Filmelier no Cinema: #10 - Uma Nova Paixão
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

Festival Filmelier no Cinema: #10 - Uma Nova Paixão


Era para ser um daqueles romances entre duas pessoas destruídas emocionalmente, mas que ao se apaixonarem acabam encontrando forças no amor para se reerguerem, ou ao menos é o que sugere o pôster do filme, mais um elemento inspirado no pacote Nicholas Sparks de adaptações literárias. No entanto, o máximo que o cineasta australiano Gregor Jordan (Ned Kelly) consegue fazer é atirar bons atores no meio de um mal concebido triângulo amoroso atado por um evento desnecessariamente misterioso.


A história começa numa grande festa, com dezenas de pessoas comemorando os êxitos de Jim (David Wenham), um pescador tratado como uma lenda local e que acabara de voltar com uma carga recorde de lagostins. Todos parecem felizes nessa celebração, menos Georgie (Kelly MacDonald), uma constatação que ela ouve dos lábios de um conhecido, que a despreza pelo fato de ela ser uma mulher “da cidade”. Afinal, estamos em White Point, uma cidade fictícia situada na belíssima costa leste da Austrália e que funciona como um personagem próprio, o mais forte do filme, diga-se de passagem.

O que não seria muito difícil, já que o roteiro concebido por Jack Thorne (Enola Holmes 2) não parece muito preocupado em seguir qualquer lógica interna, já que as motivações de seus personagens muitas vezes soam ainda mais obscuras do que a suposta revelação que será feita no terceiro ato, obrigando o espectador a suportar mais de uma hora de um romance natimorto. Não me entenda mal, Kelly MacDonald é de fato uma boa atriz, algo que pode ser facilmente percebido em grandes filmes como Assassinato em Gosford Park e Onde os Fracos Não Têm Vez, por exemplo (e os fãs de Harry Potter devem se lembrar dela como a Helena Corvinal de As Relíquias da Morte Parte 2), mas aqui ela é sabotada não apenas por um script obtuso, mas principalmente pela ausência absoluta de química com o colega de cena Garrett Hedlund, seu par romântico.

Muitos talvez torçam o nariz para o protagonista do subestimado TRON: O Legado, mas Hedlund já provou ser bom intérprete em produções como Na Estrada e Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississipi (onde ofereceu sua melhor atuação). Hedlund tenta fazer de Lu Fox, ao menos, um personagem carismático o suficiente para despertar a simpatia do público, mas o tempo que passa olhando para o horizonte com cara de paisagem enquanto uma figura do seu passado esporadicamente sai diretamente de suas memórias para assombrá-lo, poderia ser convertido num desenvolvimento mais adequado por parte do roteiro.

No melhor estilo Nicholas Sparks de dramaturgia, Thorne molda Fox sob o arquétipo do galã deprimido, aquele tipo de homem repleto de boas intenções e cavalheirismo, mas que se esconde num visual desgrenhado e guiado por uma filosofia niilista após uma tragédia pessoal e não vai além disso. As coisas pioram quando vemos Fox e Georgie juntos, alimentando um romance constrangedoramente morno e nem lembro quando foi a última vez que testemunhei um casal tão insosso se apaixonar na telona.

Gregor Jordan, cineasta prolífico, mas que nunca foi além do sucesso mediano gozado pela versão de Ned Kelly protagonizada pelo finado Heath Ledger, não consegue costurar os elementos dramáticos que joga na tela, pois o roteiro, desconjuntado e inconstante, jamais segue numa das direções propostas. Ajudaria explicar, por exemplo, o motivo de Georgie manter um relacionamento com Jim, pois se nem a personagem é capaz de classificar o que há entre os dois (ela nega se tratar de um casamento apesar de dividir uma casa com ele e ser querida pelos filhos deste), como entender o fato de ela nunca tê-lo largado? Pois fica claro que a ausência de amor é sentida pelos dois lados, mesmo assim ninguém parece disposto a mudar isso.

Jim, num dado momento, respeita a liberdade de Georgie e chega a manifestar preocupação quando ela passa uma noite fora, o que excluiria a possibilidade de um relacionamento tóxico, ainda mais se considerarmos que ele sequer levanta a voz durante os desentendimentos que surgem. Quem conhece a filmografia de David Wenham (seu intérprete), no entanto, sabe que eventualmente Jim se transformará num vilão e é isso que Jack Thorne tenta fazer ao colocá-lo para recitar clichês como “ele deveria sentir suas mãos queimarem ao tocar em você!”, assim que a traição da moça é descoberta. Aliás, ela faz questão de admitir não ser fiel.

Portanto, como devemos encarar esse suposto triângulo amoroso, se estamos diante de um relacionamento confuso e o amante sequer se esforça para ficar com a mocinha? Sim, pois no primeiro sinal de confusão, Lu Fox dá no pé sem qualquer aviso e inicia uma peregrinação que oferece mais dúvidas do que esclarecimentos sobre seus pensamentos. Ao menos sua jornada envolve algumas das paisagens mais bonitas do país oceânico, méritos de sobra para a fotografia de Sam Chiplin que constrói, com espantosa facilidade, uma série de cartões postais prontos para serem impressos.

Talvez a maior revelação de Uma Nova Paixão esteja presente nos créditos finais, quando o espectador descobrirá que o livro adaptado pelo roteiro não foi escrito por Nicholas Sparks e sim por Tim Winton. Como não li o tal romance, não saberia dizer quem é o maior culpado por criar personagens que agem de formas pouco lógicas e constroem relacionamentos tão confusos quanto desinteressantes. O que dá para cravar sem pestanejar é que Uma Nova Paixão funciona bem melhor como propaganda turística da Austrália do que como drama romântico.


NOTA 3

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