'A Vida de Chuck' promove reflexão sentimentalista sobre a vida
- Guilherme Cândido
- há 14 minutos
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“Eu sou vasto… contenho multidões”, diz um verso do poema de Walt Whitman (1819-1892), presente no coração da narrativa deste A Vida de Chuck, que fez boa carreira no circuito de festivais, mas acabou esquecido na temporada de premiações até finalmente chegar aos cinemas brasileiros nesse final de semana. O filme, escrito e dirigido por Mike Flanagan, na verdade é uma adaptação do conto homônimo de Stephen King, que também é vasto e contém multidões. Afinal, muitos o tem na memória como um mestre do terror e esquecem que já se comoveram com obras como À Espera de um Milagre e Conta Comigo, apenas para citar duas que ganharam celebradas versões cinematográficas. De forma semelhante, quase metalinguística, Flanagan quer nos convencer de que domina outras artes além da de provocar medo, como o fez tão seguramente em filmes como Jogo Perigoso e Doutor Sono, apenas para citar duas adaptações literárias (de King).

A mera apresentação da premissa de The Life of Chuck (no original), poderia afetar a experiência do espectador, portanto, se você não sabe exatamente do que se trata, sugiro não procurar informações além do fato de o rosto do protagonista, interpretado por Tom Hiddleston (o Loki da Marvel), estampar uma série de cartazes espalhados pela cidade em que vivem Marty (Chiwetel Ejiofor, de The Old Guard 2, Original Netflix) e Felicia (Karen Gillan, a Ruby dos novos Jumanji), assustados com o noticiário literalmente apocalíptico. O mais estranho é que, apesar de o mundo estar acabando, os tais cartazes estão sempre agradecendo Chuck Krantz pelos trinta e nove anos bem vividos. Mas quem diabos é Chuck Krantz? Para responder esta pergunta, o roteiro assinado pelo próprio Flanagan adota uma estrutura de três atos invertidos, dos quais o último corresponde ao início.

Ao contrário de O Curioso Caso de Benjamin Button (2008), em que o protagonista nascia com o corpo envelhecido e rejuvenescia com o tempo, o modelo adotado pelo realizador não corresponde uma anomalia. Na realidade, a inversão não altera exatamente muita coisa, mas possibilita ao realizador passear por momentos que marcaram o tal Chuck a ponto de influenciarem toda a sua passagem pela Terra, o que corresponde ao âmago do texto.

Gestos aparentemente banais como um levantar de dedos ao ouvir uma música vão ganhando importância à medida que a trama se desenrola, corroborando um discurso em prol da potência dos pequenos momentos, em detrimento das grandes conquistas que somos doutrinados a perseguir. Momentos como aquele em que Chuck, mesmo de terno e gravata saindo do trabalho e indo para casa, se depara com uma artista de rua tocando bateria e permite se deixar levar pelo ritmo, entregando-se a libertadores movimentos que contagiam toda a multidão que resolve acompanhá-lo. Mais do que contagiar, momentos como esse inspiram, e uma jovem amorosamente desiludida comprova isso ao ser fisgada por aquele estranho tão comprometido com o descompromisso, num reflexo das intenções do próprio Mike Flanagan, torcendo para seu filme ter o mesmo efeito em quem o assiste.

Se exagera no sentimentalismo, agravado pela trilha sonora tendenciosa dos Newton Brothers, seus parceiros habituais, Flanagan economiza na sutileza, mastigando didaticamente a narrativa, desde as “mensagens”, passando por contextualizações e até comentários, como aqueles que transformam o primeiro terço da projeção num verdadeiro desastre. O realizador aproveita o início enigmático, quando o fim do mundo soa mais literal do que metafórico, para vender uma bem-intencionada agenda ambientalista, elegendo o descaso humano para com a natureza como o principal causador de nossa extinção.

A pressa de Flanagan em soar socialmente responsável, torna o filme grosseiro em seus primeiros trinta minutos, chegando ao fundo do poço quando Matthew Lillard (Scooby-Doo: O Filme) aparece apenas para protagonizar um longo e artificial monólogo. O que era para ser um respiro de realismo e verossimilhança antes do mergulho no lúdico e fantástico, se converte numa dinâmica em que personagens andam e conversam alterando apenas o ambiente, pois o papo é sempre o mesmo.

Mais próximo do final, Mike Flanagan relembra sua vocação para o terror numa sequência que ecoa como um trovão, quando o personagem de Mark Hamill (o velho Luke Skywalker) corre para impedir que o jovem Chuck (Jacob Tremblay, de O Quarto de Jack) acesse o sótão, e acaba por tabela desfibrilando até o mais preparado espectador, em mais um daqueles instantes que subestimamos à primeira vista, mas voltam posteriormente carregados de significados.

A Vida de Chuck nada mais é do que uma reflexão simbólica e fabulesca (legitimada pela narração de Nick Offerman) sobre a soma de todas as experiências que acumulamos ao longo de nossa existência e que incluem as escolhas que fazemos, os momentos que vivenciamos e as pessoas que conhecemos.
Isso é o que chamamos de “vida”.
NOVA 7,5