Novo 'Corra Que a Polícia Vem Aí' mantém a essência com um Liam Neeson genial
- Guilherme Cândido
- há 14 horas
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Derivada de uma série de TV que durou apenas seis episódios, ninguém imaginava Corra Que a Polícia Vem Aí se tornando uma trilogia cinematográfica. Da mesma forma que poucos pensariam em Leslie Nielsen (1926–2010) como o intérprete do atrapalhado policial Frank Drebin. Sua escalação, claro, só poderia ser fruto do trio ZAZ (David Zucker, Jim Abrahams e Jerry Zucker), cuja obra-prima Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu! (1980), já dava sinais do talento cômico do ator canadense. Pois o brilhantismo de Corra Que a Polícia Vem Aí (1988) não residia apenas no fluxo ininterrupto de piadas (sempre havia algo potencialmente hilariante acontecendo em algum lugar do quadro), mas justamente na aposta em uma estrela de filmes sérios como o líder do projeto.

É exatamente por essa razão que deveríamos encarar com naturalidade (e não surpresa) a contratação de Liam Neeson como seu sucessor. Um movimento cuja lógica é espelhada até mesmo pelos nomes parecidos dos intérpretes.

Celebrado como um ator dramático no século passado, com direito a uma indicação ao Oscar pelo clássico spielberguiano A Lista de Schindler (1990), o britânico soube se reinventar como astro de ação aos 56 anos de idade, redefinindo o gênero ao chocar o mundo como um homem de habilidades especiais tentando resgatar a filha de bandidos albaneses, no divisor de águas Busca Implacável (2008). Pois agora, depois de quase duas décadas dedicando-se a interpretar agentes ou ex-agentes destinados ao massacre de criminosos, Neeson submete sua carreira a mais uma reviravolta, desta vez explorando seus dotes cômicos. E, para a surpresa de ninguém, seu desempenho não é menos do que brilhante.

Se Leslie Nielsen provocava gargalhadas por encarar com seriedade absoluta os maiores absurdos ao seu redor, Liam Neeson usa seu passado não tão recente para provocar o humor pelo contraste. É praticamente impossível segurar o riso ao ouví-lo narrar sua obsessão pelo corpo de Pamela Anderson, por exemplo, exatamente do mesmo jeito que Nielsen construía analogias estapafúrdias para elogiar as curvas de Priscilla Presley. E quando Neeson cerra os punhos frente a um inimigo, poucos pensarão que o confronto poderá ser resolvido através de uma intensa adoleta.

O sucesso deste reboot/continuação, no entanto, dependia exclusivamente da disposição de seu protagonista em se entregar de corpo e alma à produção. Felizmente, Liam Neeson deixa a vaidade e o ego de lado para abraçar a autoparódia, sabendo rir de si mesmo em sequências que surpreenderão seus fãs. Além disso, o ator exibe um bom timing cômico, tirando de letra vários tipos de humor, sem abandonar a seriedade tão peculiar ao papel.

Uma vez solucionada a questão da sucessão ao trono de Nielsen, o diretor Akiva Schaffer, dez vezes indicado ao Emmy como roteirista do Saturday Night Live, mostra ter feito o dever de casa, investindo em homenagens que vão desde easter eggs (como ao resgatar o castor do primeiro filme e ao trazer Al Yankovic numa participação especial) a repetições de gags clássicas, incluindo as famosas chegadas de Drebin, que satirizavam os establishing shots dos enlatados estadunidenses. Shaffer moderniza o humor da franquia sem perder as tradições de vista, permitindo que o componente nostálgico faça efeito em sua composição.

Por outro lado, quando decide trilhar um caminho original, oferecendo voz independente ao filme, o realizador colhe resultados irregulares. Se por um lado demonstra criatividade ao conceber um flashback rico em detalhes ou ao trazer um personagem tropeçando numa legenda, por outro, é ele quem tropeça ao se distanciar demais da essência do humor da franquia, o que fica evidente na longa passagem que começa com Frank Drebin Jr. derrotando atiradores usando apenas os carregadores de suas armas e culmina numa sequência em que surge socando os genitais de outros bandidos.

Em relação ao elenco de apoio, o novo Corra Que a Polícia Vem Aí está muito bem servido, a começar por Paul Walter Hauser (O Caso Richard Jewell), herdando o papel que foi de George Kennedy (1925-2016) e protagonizando bons momentos (o melhor deles envolve um grupo de crianças), passando por um Danny Huston (parceiro de Neeson em Sombras de Um Crime) divertido ao tirar sarro do tipo de vilão tão acostumado a interpretar, e finalmente chegando a Pamela Anderson: Renascida em Hollywood após brilhar em A Última Showgirl (pelo qual chegou a ser cotada ao Oscar), Anderson é outra a aproveitar a oportunidade de se testar na Comédia, logrando êxito especialmente na cena em que sua personagem resolve cantar Jazz.

Há espaço para todos brincarem, até mesmo o compositor Lorne Balfe (Missão: Impossível – Acerto de Contas), divertindo-se a valer ao replicar a tensão do prólogo de Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008). Falando nisso, espere uma metralhadora de referências aos mais variados segmentos da cultura popular, indo da banda Black Eyed Peas até a prata da casa Missão: Impossível – Efeito Fallout (2018).

Resgatando a mesma aura imprevisível de seus antecessores, a nova versão de Corra Que a Polícia Vem Aí não apenas faz jus ao original, como pavimenta o caminho para o retorno de um tipo de comédia que anda sumido das telonas. E faz muita falta.
NOTA 7,5
Observação: Há duas cenas extras, mas não deixe de prestar atenção nos créditos finais, que guardam uma série de brincadeiras