"O Espaço Infinito" promove a importância da saúde mental
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"O Espaço Infinito" promove a importância da saúde mental


Nina (Gabrielle Lopes) é uma mulher cuja paixão pelos astros (especialmente estrelas) sempre foi alimentada pelo pai, com quem possuía um laço muito forte. Tanto que inevitavelmente acaba se tornando astrofísica, ocupando um espaço tradicionalmente masculino. A busca pela credibilidade, até para a continuidade de seus estudos, faz com que Nina se torne obcecada pela descoberta de uma estrela. Aos poucos perdendo a conexão com a realidade, ela passa a negligenciar o filho e volta suas atenções completamente para o observatório onde trabalha, fazendo do lugar sua verdadeira casa (ela passa a dormir lá, inclusive), até que um dia finalmente sucumbe, sofrendo um colapso psicológico. Internada numa clínica psiquiátrica, suas diferentes linhas de pensamento se entrelaçam, formando um mosaico que a levará à autodescoberta.

À primeira vista, O Espaço Infinito pode sugerir uma experiência difícil, e realmente é, partindo de uma premissa abstrata enquanto coloca o espectador ao lado da protagonista enquanto a desvenda. A falta de um alicerce concreto, um no qual possamos nos apoiar durante o processo de desvendar a psique de Nina, não chega a comprometer a narrativa, mas impacta na eloquência do discurso de Leo Bello, assinando roteiro e direção de seu primeiro longa-metragem.

Bello elabora uma estrutura que apesar de fragmentada, é perfeitamente compreensível como instrumento para ajudar o público a entender o âmago de Nina. Nesse aspecto, a história se beneficia da vocação do realizador de conduzir imagens potentes que além de comprovarem a qualidade da fotografia de Pedro Maffei, contribuem para uma identidade visual singular e extremamente instigante. Maffei constrói planos pictóricos que valorizam as paisagens e reforçam o elo entre texto e imagem, algo fundamental para o sucesso dessa obra em particular.

O diretor de fotografia também é feliz ao ilustrar a importância do espaço sideral, esbaldando-se com imagens que dão destaque a constelações e nos momentos em que vemos Nina boiando iluminada num mar cristalino refletindo o céu estrelado alcança efeitos que beiram o sublime. Maffei também reflete com desenvoltura os caminhos da mente humana, estabelecendo metáforas e paralelos, ora sutis (as cavernas), ora mais literais (os homens cobertos de lama), de forma menos sombria, mas curiosamente semelhante a Por Trás dos Seus Olhos. Já as composições mais abstratas sugerem uma ligação com a mente da protagonista, embora com resultados irregulares.

Gabrielle Lopes, do ótimo Como Nossos Pais, oferece uma performance marcante, principalmente pela fisicalidade demandada pelo papel. Ela é hábil ao transmitir a crise psicológica de Nina sem recorrer a muletas e ainda é ajudada por um trabalho de câmera que valoriza suas expressões, como se o diretor fosse incapaz de desviar o olhar para o que Lopes constrói em cena. É uma pena que o projeto limite o alcance da protagonista, pois a narrativa jamais se desprende das amarras visuais, atendendo a necessidades que nem sempre favorecem Nina como personagem.

Se tratando da história de uma astrofísica em busca de reconhecimento, não deixa de ser frustrante perceber como o texto se esquiva de uma abordagem mais direta em relação ao domínio masculino na área, algo abordado com eficácia ímpar pelo bom Estrelas Além do Tempo. É possível argumentar que o foco de O Espaço Infinito está na mente de sua protagonista, mas as dificuldades enfrentadas por ela incluem uma realidade que infelizmente não é interessante o bastante para a produção, que limita-se a tangenciar a questão.

No geral, porém, o script merece créditos pela forma com que retrata a saúde mental e reforça a importância do tratamento, por mais que a conclusão sugira soluções pouco verossímeis. Afinal, jamais ficamos seguros acerca da melhora de Nina e mesmo assim há uma predisposição em devolvê-la a um estado de normalidade, como se houvesse uma demanda (artificial) de resolver todos os conflitos da obra e indo na contramão do que, de fato, acontece. E se os demais pacientes da clínica são construídos sem profundidade, ao menos é possível divertir-se com um determinado personagem sem cair na armadilha de ridicularizá-lo (não rimos dele, mas com ele), pois a presença de Nina afasta qualquer tipo de interpretação mais negativa.

O Espaço Infinito é muito mais eficiente como veículo para a promoção da importância da saúde mental, o que deve ser comemorado por seus realizadores, mas isso não invalida a experiência particular oferecida por uma história que gira em torno da busca universal da identidade através da autodescoberta, valendo-se de metáforas e imagens estonteantes para comprovar, uma vez mais, a riqueza de nosso Cinema.


NOTA 6,5


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