CRÍTICA | "Avatar: Fogo e Cinzas"
- Guilherme Cândido

- há 12 horas
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Quando James Cameron finalmente levou o magnífico Avatar (2009) aos cinemas, o fez com o impacto visual que se espera do mestre por trás do clássico atemporal O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final (1991). Pois o projeto dos sonhos do cineasta canadense envolvia não apenas humanos e uma realidade futurista, mas também um ecossistema criado a partir do zero. E Pandora, uma das catorze luas que orbitam o planeta Polifemo a 4,37 anos-luz da Terra e pulsa com fauna e flora próprios, sequer era o elemento mais fascinante da história. Os Na’vi, povo indígena local, demandaram de Cameron e sua equipe a criação de uma cultura tão multifacetada e rica em detalhes que é quase possível imaginá-los existindo de fato no sistema solar Alpha Centauri A. Até um idioma foi desenvolvido com a ajuda de especialistas em linguística, que por sua vez foi utilizado pelos corais comandados pelo maestro James Horner, duplamente vencedor do Oscar por Titanic (1997), também de Cameron.

Dito isso, Avatar: Fogo e Cinzas pode não herdar o pioneirismo tecnológico das produções anteriores e certamente não usufrui do mesmo senso de maravilhamento como elemento surpresa, mas o espetáculo visual oferecido segue crucial para manter a franquia como sinônimo de uma experiência cinematográfica atualmente incomparável. O bônus da vez - isso, sim, uma surpresa - é um refinamento narrativo que fazia falta desde o primeiro filme, quando as deficiências de James Cameron como roteirista foram mitigadas por seu virtuosismo técnico como cineasta.

Aqueles preocupados em rememorar os acontecimentos do longa-metragem de 2022, são atendidos já nos primeiros instantes de projeção, numa sequência rica em diálogos e situações claramente construídos para deixar o espectador (principalmente o marinheiro de primeira viagem) a par do indispensável. Em suma, cada membro da família Sully encontrou uma forma particular de lidar com o luto.

Jake (Sam Worthington), o ex-fuzileiro bitolado, prefere manter a mente ocupada, esporadicamente descontando ressentimento no filho do meio, Lo’ak (Britain Dalton), que por sua vez é tomado pela culpa. Aliás, é ele quem carrega o maior peso emocional desta continuação. Já Neytiri (Zoe Saldaña, vencedora do Oscar por Emilia Pérez), resignada, mal consegue esconder o conflito interno a respeito de seu relacionamento com Spider (Jack Champion, de A Chamada), o adolescente humano que adotou com o marido, mas ainda resiste em tratar como filho. Enquanto isso, Kiri (Sigourney Weaver, a eterna Ripley de Alien) personifica o elo da família (e do filme) com Eywa, divindade que deixa de lado a função Deus Ex Machina do primogênito da série para assumir-se como personagem de fato, mostrando a coragem e a disposição de Cameron e seu quarteto de roteiristas para irem além do campo conceitual.

Conceitualmente, aliás, o terceiro capítulo, poderia facilmente soar como um mero pot-pourri dos outros dois, não fosse a ideia de enfim conectá-los tal qual uma trilogia, corrigindo uma falha de Avatar: O Caminho da Água (2022), que, convenhamos, foi a legítima gênese desse planejamento a longo prazo. Para quem não se lembra, Avatar não foi idealizado como uma franquia, mas o sucesso sem precedentes que fez mundo afora, ostentando até hoje a maior bilheteria de todos os tempos com quase três bilhões de dólares arrecadados, fez com que uma continuação fosse inevitável. Cameron, então, apenas corrigiu a rota, praticamente refazendo o texto, agora visando alimentar uma narrativa maior.

No entanto, até o reaproveitamento de elementos (sejam eles narrativos ou não), acaba por gerar frutos inesperados, como o vilanesco Coronel Quaritch (Stephen Lang), cujo retorno oferece novas possibilidades à trama. Pois a rixa entre herói e mocinho ganha contornos inéditos, sendo uma improvável aliança, um dos maiores trunfos da história, com um proscrito Quaritch tendo de recorrer a uma tribo reclusa para manter acesa a chama do acerto de contas com Jake.

Em meio a tantos componentes conhecidos, o Povo das Cinzas chega para desafiar tudo o que fomos levados a pensar sobre os habitantes de Pandora, uma vez que os Mangkwan (como são chamados na língua Na’vi) são estritamente pagãos, elegendo o Fogo como a verdadeira força que rege a Natureza. Opostos aos Omatikaya, esses indivíduos são liderados por Varang, interpretada por Oona Chaplin (neta de Charlie) com uma intensidade sinistra, do tipo capaz de ações imprevisíveis, e justificada por uma moral intrincada. Pena que após sedimentar sua relação com Quaritch, a personagem perca relevância dentro da narrativa.

Indo pelo mesmo caminho, o compositor britânico Simon Franglen segue aquém do legado de James Horner, adotando acordes mais agudos que destoam da escala épica da produção. Já a montagem mostra-se irregular: se merece aplausos por manter o ritmo acelerado mesmo ultrapassando as três horas de projeção, o excesso de erros de continuidade, personagens aparecendo e sumindo repentinamente e a mise em scène confusa (principalmente no terceiro ato) dão o tom de um trabalho assinado por nada menos que SEIS profissionais.

Em contrapartida, assim como em 2009, a cinessérie volta a nos presentear com imagens deslumbrantes graças especialmente (embora não unicamente) aos efeitos visuais taumaturgos da multipremiada Weta FX do cineasta e produtor neozelandês Peter Jackson (O Senhor dos Anéis). Elogiar as paisagens pandorianas é chover no molhado, por outro lado, é difícil não admirar planos como aquele em que um personagem voa caído sobre um ikran com o planeta ao fundo ou toda a sequência em que Lo’ak enfrenta mares furiosos durante uma tempestade de raios, cortesias da ótima fotografia de Russell Carpenter (substituindo Mauro Fiore, oscarizado pelo primeiro filme). Além disso, os designers de produção Dylan Cole e Ben Procter (indicados ao Oscar por O Caminho da Água) mantém a tradição da franquia de se inspirar em animais aquáticos ao conceberem naves e máquinas (os veículos que se movem como siris e as gigantescas “águas-vivas” que servem de transporte aos Comerciantes dos Ventos são os destaques). Desta vez, porém, Avatar vai além da beleza habitual.

Na realidade, há um zelo substancialmente maior com o texto (a despeito da narração anódina e intrusiva), o que não deixa de ser uma jogada inteligente quando nos damos conta de que aquele senso de maravilhamento tão arrebatador ao ponto de escoimar os roteiros anteriores, já não se configura como uma novidade. Cameron, ao lado de Shane Salerno (Armageddon) e do casal Rick Jaffa e Amanda Silver (da mais recente trilogia de Planeta dos Macacos) tecem uma trama que chama atenção pela engenhosidade com que entrelaça os personagens. As atitudes de Spider, vale dizer, mesmo imbuído de boas intenções, geram desdobramentos que alteram radicalmente a dinâmica da narrativa, algo que já aconteceu no longa de 2022 e aqui é dramaticamente potencializado em ao menos duas oportunidades, impactando, inclusive na relação entre Jake e Quaritch.

O coronel também é beneficiado por esse esmero narrativo, ganhando motivações mais complexas e que permitem aos escritores incluírem um subtexto que propõe reflexões sobre racismo e até xenofobia. E se o discurso ambiental permanece como um pilar, é a discussão sobre a saúde mental que se mostra o tópico mais ressonante de Fogo e Cinzas, com direito a uma cena forte de um personagem considerando cometer suicídio. Ciente da seriedade envolvida, a produção faz questão de divulgar instituições que oferecem apoio, além de trazer nos créditos finais uma mensagem incentivando pessoas em dificuldade a procurarem ajuda.

Culminando num clímax que reafirma James Cameron como um mestre da Ação, utilizando a profundidade de campo não apenas para amplificar os efeitos em 3D (ainda um show à parte), mas também para aprimorar os set-pieces, o longa possui sequências que, senão memoráveis como em outros projetos do diretor, ao menos são tecnicamente irrepreensíveis e note como ele se recusa a picotar a montagem, priorizando coreografias de fácil leitura e com atenção especial à geografia das cenas.

Embarcando na onda nostálgica que há tempos tomou conta de Hollywood, o realizador aposta pesado em referências a grandes momentos de Avatar, o que não deixa de passar uma sensação de déjà vu, é verdade, mas funciona por permitir uma rima elegante com um dos filmes mais formidáveis das últimas décadas.
NOTA 8
Observação: Além de trazer uma nave chamada "Landau" durante o filme, o produtor Jon Landau, falecido no ano passado, ganha uma homenagem durante os créditos finais.









