"The Flash" reinicia Universo DC com vivacidade e surpresas
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"The Flash" reinicia Universo DC com vivacidade e surpresas

Atualizado: 14 de jun. de 2023


Depois de ver a Disney/Marvel mostrar as possibilidades criativas e financeiras oferecidas por um filme envolvendo o multiverso, chegou a vez de a Warner/DC fazer sua própria história sobre universos que se entrelaçam. Mas se a Casa das Ideias preferiu utilizar a combinação de franquias para disfarçar sua intenção de apelar para a nostalgia tão perseguida por seus consumidores, o recém-criado DC Studios aproveita o tema como um subterfúgio para reiniciar seu universo cinematográfico, promovendo um reboot em larga escala. Na trama, baseada no arco Flashpoint dos quadrinhos, Barry Allen (Ezra Miller, de Animais Fantásticos) descobre uma forma de viajar no tempo e não hesita em viajar ao passado para impedir a morte da mãe (Maribel Verdú, de O Labirinto do Fauno), que ainda por cima gerou a prisão injusta de seu pai (Ron Livingston de Bar, Doce Lar). Apesar de bem-sucedido, o plano acaba gerando consequências desastrosas, forçando-o a procurar a ajuda de outros super-heróis.

Ezra Miller, que nos bastidores protagonizou uma série de escândalos a ponto de levantar boatos sobre sua substituição como o protagonista da produção, finalmente encontra o equilíbrio que claramente faltou à sua performance em Liga da Justiça quando, como coadjuvante, limitou-se à função de alívio cômico. Seus talentos dramáticos, comprovados em obras notáveis como Precisamos Falar Sobre o Kevin e As Vantagens de Ser Invisível, não são tão exigidos pelo roteiro, mas quando surge a oportunidade de evocar a densidade emocional que tange as motivações de Barry Allen, Miller atinge as expectativas sem qualquer dificuldade. No entanto, é sua versatilidade que é posta à prova, com o ator vivendo duas versões diametralmente diferentes do velocista escarlate, sendo hábil ao transmitir os diferentes estágios de vida em que se encontram os personagens, mesmo que o roteiro tire um pouco do brilho de sua interpretação ao verbalizar as nuances envolvendo o abismo de maturidade que os separa, como na discussão que eles têm no interior da batcaverna.

Como a versão infantilizada de Barry, o ator norte-americano abraça a oportunidade de resgatar o senso de encantamento que vem fazendo falta nos filmes de super-herói contemporâneos (o primeiro Shazam e Homem-Aranha Através do Aranhaverso talvez sejam as únicas exceções). Além disso, Miller se diverte ao desenvolver Barry Allen, concebendo-o como um sujeito extremamente ansioso, ao ponto de falar rapidamente e até abreviar palavras. Apesar de ser conhecido pela velocidade, Allen está sempre atrasado e o fato de precisar de energia para manter sua velocidade (que influencia diretamente em seu metabolismo) implica em alimentar-se praticamente o tempo todo, inclusive durante batalhas.

Assim, é curioso como o filme reflete em tom e estilo, a personalidade do herói, oferecendo uma experiência vibrante, alegre e que passa rápido (com o perdão do trocadilho), com o diretor Andy Muschietti (que faz uma ponta como um pedestre que tem seu cachorro quente roubado pelo herói), responsável pelo ótimo It: A Coisa, revelando-se uma escolha surpreendentemente acertada pelo estúdio. Seguro, o cineasta argentino injeta energia nas sequências de ação e não pesa a mão na hora de transitar entre o drama e a comédia. Os set-pieces podem até não ser particularmente complexos, mas carregam a marca de um diretor preocupado em deixar tudo compreensível para o espectador. Aliás, vale destacar uma curiosidade sobre sua condução: enquanto Zack Snyder contaminou os demais diretores da Warner/DC com seu fetiche contumaz por tomadas em câmera lenta, Muschietti opta por fazer o caminho inverso, acelerando a imagem, por exemplo, durante lutas, o que beneficia o Batman de Michael Keaton, além de trazer certo charme.

Keaton, verdade seja dita, não parece tão entusiasmado em retornar ao personagem que ratificou seu status em Hollywood, oferecendo uma performance apenas correta como a versão mais envelhecida de Bruce Wayne, o que não deixa de soar como uma oportunidade desperdiçada. Ademais, é uma pena que The Flash não tenha absolutamente nada de interessante a acrescentar à trajetória de Wayne, limitando-se a ruminar conflitos já trabalhados em outras produções. Por outro lado, o carisma do ator, aliado à dinâmica com os dois Ezra Miller, é o bastante para despertar a simpatia do público casual, pois o fã dos filmes de Batman dirigidos por Tim Burton serão arrebatados assim que ele surgir pela primeira vez devidamente trajado. O roteiro, no entanto, não parece enxergá-lo como algo além de um acessório narrativo, pois assim que o personagem cumpre a tarefa de exemplificar o funcionamento do multiverso (através de uma astuta analogia com um prato de espaguete), sua presença torna-se uma atração meramente perdulária.

O mesmo poderia ser dito sobre as inúmeras participações especiais que se revezam ao longo da história, tomando um precioso tempo que poderia ser dedicado a desopilar a convoluta narrativa. Pois The Flash, além de funcionar como um reboot, apagando todos os rastros deixados pelo fracassado planejamento de Zack Snyder, também deve preparar o terreno para o futuro universo cinematográfico que está sendo construído por James Gunn, novo líder criativo da DC e responsável pelos próximos filmes de super-heróis da Warner. Como se isso não bastasse, a trama também deve apresentar a história de origem do Flash e estabelecer conexões não apenas com os personagens que apareceram em Liga da Justiça, mas também com quase todos aqueles que a Warner lançou nos cinemas ao longo de décadas de produção cinematográfica, transformando The Flash numa grande celebração do legado da Warner Bros. no subgênero dos super-heróis.

Se Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa serviu como uma carta de amor aos fãs do personagem nos cinemas e Homem-Aranha Através do Aranhaverso resolveu ir mais a fundo e conectar todas as mídias contempladas pelo personagem, The Flash surfa na atual onda de nostalgia para reverenciar os maiores sucessos do estúdio que possui os direitos de adaptação da DC Comics, oportunizando as já citadas participações especiais e que irão desmontar até o mais estoico dos espectadores. Até produções pouco lembradas ganham espaço, da mesma forma que nem o fracasso comercial impediu uma determinada aparição de acontecer, mas as mais surpreendentes (e que não revelarei, obviamente) são duas que permanecem no imaginário popular há décadas, mas por motivos completamente distintos e envolvendo um certo herói de outro planeta. E ambas envolveram uma tremenda engenharia para serem possibilitadas. Outras referências que devem agradar os fãs acontecem no quarto do jovem Barry, cujas paredes abrigam uma infinidade de pôsteres de blockbusters da Warner e obrigarão o espectador a ficar atento a cada movimento de câmera.

Mas a roteirista Christina Hodson também é inteligente ao abrigar referências cinematográficas para traçar paralelos com o conflito enfrentado por Barry Allen. Ela é especialmente perspicaz ao utilizar a famosa substituição de Eric Stoltz por Michael J. Fox em De Volta Para o Futuro como uma piada que antecipa a mudança de rosto experimentada por vários personagens durante a viagem que Barry faz pelo Multiverso. Isso explica, por exemplo, porque Bruce Wayne tem as feições de Ben Affleck num universo e as de Michael Keaton em outro, o que também se reflete no mundo do Cntretenimento, algo brilhantemente exemplificado em um dos momentos mais divertidos do filme, quando Barry descobre que Michael J. Fox, na verdade, é a estrela de Footloose, ao passo que Kevin Bacon (o verdadeiro protagonista da obra citada anteriormente) ganhou fama ao protagonizar Top Gun (“aquele com aviões, gays e vôlei”, descreve outro personagem do universo alternativo, fazendo troça da franquia bilionária que alçou Tom Cruise à fama.

Infelizmente, Hodson não está imune a deslizes e se a aderência aos famigerados diálogos expositivos não chega a ser uma surpresa nos dias atuais, com os espectadores sendo tratados como energúmenos, algumas lacunas chamam atenção. Desempenhando um papel fundamental na história, a morte da mãe de Barry jamais é totalmente esclarecida, assim como o fato de o Batman bronzeado de Michael Keaton lutar e se mover como se ainda fosse jovem, ignorando os anos de aposentadoria como vigilante, (algo com o que os irmãos Jonathan e Christopher Nolan souberam lidar de forma infinitamente mais verossímil em Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge). Outro questionamento pode ser feito em relação à rapidez com que Bruce aceita voltar à ativa para ajudar Barry, ainda mais se tratando do resgate de um alienígena superpoderoso, contrariando a reflexão (melhor) desenvolvida em Batman vs. Superman: A Origem da Justiça.

Também dirigido por Zack Snyder, O Homem de Aço é outro filme que ganha importância durante a cadeia de acontecimentos de The Flash, não só em função da presença de General Zod (Michael Shannon, figurante de luxo) e da reconstituição do clímax, mas também por influenciar na fotografia do britânico Henry Braham (Guardiões da Galáxia Vol. 3), que recorre à mesma paleta dessaturada e sem vida, contrastando com as cores fortes que dominam os outros “universos” e, principalmente, o uniforme de Flash, agora um traje mais maleável substituindo a armadura vestida em Liga da Justiça por um tecido emborrachado que faz mais sentido dentro da lógica interna proposta pelo novo filme. Ponto fraco dos filmes de super-heróis mais recentes (especialmente Homem-Formiga e Vespa: Quantumania), os efeitos visuais de The Flash funcionam na maior parte do tempo, principalmente no que diz respeito aos poderes do herói e só deixam de convencer em dois momentos específicos: aquele em que Barry está num lugar que abriga todas os universos (com traços tão artificiais quanto os da cena com Henry Cavill no espaço em O Homem de Aço) e a sequência com a chegada de Zod e seu exército em naves kriptonianas.

Resvalando no melodrama ao empregar chavões para trabalhar a fragilidade psicológica de Barry (“não deixe que a tragédia o defina” é apenas uma das frases de efeito que o pobre sujeito tem de escutar), The Flash é uma aventura como há tempos a DC não era capaz de produzir. Após os fracassados Shazam: Fúria dos Deuses e Adão Negro, a Warner enfim lança um filme de super-herói com alma, oferecendo uma experiência tão vivaz e espirituosa quanto o seu carismático protagonista.


Obs: Há uma sequência após os créditos


NOTA 7

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